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Hotel do tempo
 
Tua nudez brancaexposta ao filtro de luz
 da cortina de gaze.
 
 Quarto clássico de mulher,
 ambiência mítica
 de mãe e sombras
 ritmo de relógio na sala de jantar.
 
 Cama larga das cambraias
 alvices que se misturam
 com teu corpo de mulher.
 
 Bordados e anagramas,
 pequenos quadros e bibelots,
 móveis de madeira negra,
 paredes de tom terroso,
 piso persa e poeiras centenárias
 dos tempos
 nos interstícios
 das tábuas corridas.
 
 Repousas nua,
 sobre o colchão dos tempos.
 
 Repousas sobre os panos
 tua beleza antiga,
 tua alvura epidérmica.
 
 Ressonas sonho
 de gozo adormecido.
 
 Contrastam...
 
 Teus pentelhos escuros,
 ralos e obscenos,
 e os cabelos finos
 ao ritmo da brisa,
 mansa,
 que adentra pela fresta
 da veneziana
 entreaberta.
 
 Tuas pernas alvas
 em relaxamento cósmico,
 uma dobrada em ângulo
 agudo para o teto alto.
 
 Teus olhos,
 ora entreabertos,
 fitando terrosos, enigmáticos
 em suas transparências.
 
 Como se assistissem,
 de longe, a mística cena,
 do amante recostado,
 numa bergère,
 olhos ao vento,
 a refolhar gravuras antigas
 numa edição ocre, perdida,
 achada nas estantes do acaso.
 
 Tua nudez branca
 espalhada na cambraia do tempo.
 
 Perna em ângulo,
 pendular em seu ir e vir.
 Olhar perdido ao acaso
 de encontrar o amante
 ora entretido, distante,
 num estelar comprimento,
 que de repente pode ser nada.
 
 Tua pele branca
 tua perna que balança.
 
 Tua boceta molhada,
 ainda, do último gozo.
 
 O relaxamento despudorado
 da cumplicidade.
 O olhar de pálpebras ao meio
 a percorrer o quarto.
 
 Cheiro acre de sexo,
 da mistura de todos humores:
 porra, gozo, água, suor, saliva,
 lágrimas e sangue.
 
 Miscigenam-se homem-mulher
 na atmosfera amarela
 do fim de tarde.
 
 Brisa marinha
 traz o sol do crepúsculo
 na janela litorânea.
 
 Olhos e sabores
 recheiam as sensações
 vívidas da tarde.
 
 Os últimos raios ocidentais
 refletidos nas águas da enseada.
 
 A maresia dos cheiros
 afasta as cortinas
 do último ocaso meridional.
 
 O amante percebe
 no sabor do amontillado,
 sorvido do cristal,
 a necessidade cósmica
 da amante receptiva.
 
 A tua pele branca,
 despida na noite.
 O silêncio tomado
 mas pleno de sentido.
 
 A taça repousada,
 o vinho dos desejos,
 O abat-jour imprimindo
 novas sombras
 nas paredes da alcova.
 
 Tua pele branca
 em imperceptível fremir,
 pulsa sobre os panos brancos.
 
 A língua que escolhe um fio
 e segue o caminho da noite
 no hotel do tempo.
 
 
 
 
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