A pulga
 
Repara nesta pulga e aprende bem 
Quão pouco é o que me negas com desdém. 
Ela sugou-me a mim e a ti depois, 
Mesclando assim o sangue de nós dois. 
E é certo que ninguém a isto aludo 
Como pecado ou perda de virtude. 
     Mas ela goza sem ter cortejado 
     E incha de um sangue em dois revigorado: 
     É mais do que teríamos logrado. 
 
Poupa três vidas nesta que é capaz 
De nos fazer casados, quase ou mais. 
A pulga somos nós e este é o teu 
Leito de núpcias. Ela nos prendeu, 
Queiras ou não, e os outros contra nós, 
Nos muros vivos deste Breu, a sós. 
     E embora possas dar-me fim, não dês: 
     É suicídio e sacrilégio, três 
     Pecados em três mortes de uma vez. 
 
Mas tinge de vermelho, indiferente, 
A tua unha em sangue de inocente. 
Que falta cometeu a pulga incauta 
Salvo a mínima gota que te falta? 
E te alegres de dizes que não sentes 
Nem a ti nem a mim menos potentes. 
     Então, tua cautela é desmedida. 
     Tanta honra hei de tomar, se concedida, 
     Quanto a morte da pulga à tua vida. 
 
  
	
		ç 
		 | 
	
		Use as setas para folhear as páginas
		 | 
	
		è 
		 | 
  
 |